Cosmologia é a ciência que trata da origem e desenvolvimento do universo. O termo que vem do grego, sendo formado por kósmos mais o sufixo logia “ciência” ou “discurso”. Seria o ramo da astronomia que estuda a estrutura, evolução e composição do universo em seu todo, preocupando-se tanto com a origem quanto com a evolução dele. Ela é inseparável tanto da Cosmogonia como da Cosmografia que buscam respectivamente explicar o processo como se origina essa existência e a sua estrutura resultante.
O princípio básico da cosmologia das culturas arcaicas é que o cosmo não é um fenômeno sem sentido ou acidental, ou produto do acaso. Segundo a tradição védica, o cosmo tem um propósito, que é de ajudar no processo da libertação humana, processo este que é cíclico e baseia-se na força do karma. Cada ciclo chama-se kalpa, que é um período de existência criada ou cósmica que é seguido de um período igual de dissolução ou caos.
Cosmogonia por sua vez seria a parte da cosmologia, que trata especificamente da criação e formação do mundo. Quanto à criação universal, a ciência contemporânea, no caso, a Astronomia e outras ciências correlatas, faz uso das chamadas “teorias cosmogónicas.”
Na verdade os cientistas desconhecem sobre a origem ou de como se cria a matéria no Universo. O que pode ser conhecido cientificamente são apenas os rastros ou vestígios da evolução universal, utilizados para formular as “teorias cosmogônicas”. É dessa forma que eles estabelecem, com relativa coerência, a procedência e o desenvolvimento evolutivo do Universo. A ciência contemporânea tem três teorias principais sobre a origem do Universo:
1) Teoria Expansionista (ou do “Big-Bang” ou “Grande Explosão”) – que afirma que o Universo está em expansão;
2) Teoria do Equilíbrio (ou Teoria do Estado Contínuo) – que afirma que o Universo se encontra em estado de equilíbrio; e
3) Teoria Cíclica (ou Teoria da Oscilação) – que defende o princípio cíclico do Universo. Indica que a intervalos de 60 bilhões de anos (ou 25 bilhões para outros cientistas), toda a matéria do Universo se reunirá num ponto. Então acontecerá uma expansão que não prossegue indefinidamente, culminando com o momento em que volta a se agrupar dando lugar a uma nova fase de contração, justamente num ponto com a matéria existente. Portanto o Universo se expande e se contrai alternadamente.
A Teoria Cíclica (da Oscilação) apresenta alguma semelhança com a visão cosmológica védica da existência da “respiração cósmica de Brahman”, de contração e expansão alternada, e do Universo existir indefinidamente.
Podemos encontrar na tradição védica várias teorias cosmológicas sobre a criação e evolução do Universo. Elas estão presentes nos sistemas filosóficos Sāṅkhya, Nyāya e Vedānta e principalmente nos Vedas e literaturas complementares (Ṛg-Veda, 10.72; 10.90; 10.121; 10.129; Atharva-Veda, 19.53-54.), Brāhmaṇas (Śatapatha Brāhmaṇa, 11.6.1; 14.4.2), Upaniṣads (Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad, 5.5.1; Chāndogya Upaniṣad, 4.3.1; 1.9.1; Kaṭha Upaniṣad, 2.5; e Taittirīya Upaniṣad, 2.7), Vedānta-sūtra, 1.1.2), Purāṇas (Viṣṇu Pūrāṇa, 1.2; Bhāgavata Pūrāṇa, 2.9; 3.5. Nāradīya Pūrāṇa, 1.3), Manu Smṛti (1.1.15), Bhagavad-gītā (15-1-2) e Brahmā Saṁhitā (5.2).
Mundos materiais e espirituais
O Vedānta, ou metafísica védica, identifica a Realidade Absoluta com o Ser que tudo permeia. Ele recebe o nome de Brahman e é definindo como:
janmādyasya yataḥ
“Aquele que gera, mantem e aniquila tudo” (Vedānta-sūtra, 1.1.2).
A palavra brahman, ‘o grande’, vêm da raiz verbal bṛh ‘expandir’ e designa aquilo ou aquele que se expande mais que qualquer outra coisa. Como o aspecto impessoal da Divindade, o Brahman seria o Ser que se ‘expande’ infinitamente, isto é, o Absoluto ou essência ontológica de todos os seres. Trata-se da realidade metafísica final que é o ekam evādvitīyam “um sem um segundo” (Chāndogya Upaniṣad, 6.2.1), a Realidade última, a fonte original e o fundamento da existência.
Por sua vez, em seu aspecto pessoal localizado como Paramātmā (a Superalma onipresente e onisciente), a Divindade é a Pessoa (puruṣa) que é Criador e Senhor de todas as Energias (śaktis). Isso é corroborado pelo Ṛg-Veda:
puruṣa evedaṁ sarvaṁ
yad bhūtaṁ yac ca bhavyam
utāmṛtatvasyeśano
yad annenātiro hati
“Tudo que existe no Universo, no passado e também no futuro, são manifestações do Senhor Supremo, em Sua expansão do Puruṣa. Apesar de ser o Senhor da Imortalidade, Ele Se manifesta no Universo para que todos os seres possam desfrutar do fruto de suas ações” (Ṛg-Veda, 10.90.2; Atharva Veda, 19.6.4; Śvetāśvatara Upaniṣad, 3.15).
Identificando o Real com a Sua expansão do Pūruṣa, “genitor”, o Ṛg–veda correlaciona-O com as duas dimensões ontológicas, a dimensão material e a dimensão espiritual, tendo a material como um quarto da realidade (eka-pada-vibhuti) e a espiritual como seu três-quartos (tri-pada-vibhūti):
etāvān asya mahimāto
jyāyāṃś ca pūruṣaḥ
pādo ‘sya viśvā bhūtāni
tripād asyāmṛtaṃ divi
“Essa é a manifestação de Seu poder, mas o próprio Senhor é muito maior que isso. Todas as entidades vivas do universo são somente um quarto de Seu ser, outros três quartos constituem a Sua natureza eterna no Céu espiritual” (Ṛg Veda, 10.90.3).
tripād ūrdhva udait puruṣaḥ
pādo’ syehābhavat punaḥ
tato viṣvaṅ vyakrāmat
sāśanānaśane abhi
“Com Seus três-quartos, o Senhor transcendeu o mundo material. Com Seu um-quarto Ele manifestou-Se novamente neste Universo. Então, Ele foi por todas as partes, penetrando todos os seres animados e inanimados” (Ṛg-Veda, 10.90.4).
A existência de uma Realidade, que precede a criação, também é descrita nos Purāṇas:
aham evāsam evagre
nānyad yat sad-asat param
“Antes da criação cósmica, somente Eu existo, e não existe fenômeno algum, seja ele grosseiro, sutil ou primordial” (Bhāgavata Purāṇa, 2.9.33).
Nesse mesmo arcabouço metafísico, os Purāṇas estabelecem a existência de um mundo espiritual identificado com Vaikuṇṭha ou Vraja, que constituem a dimensão ou mundo de Deus, real, eterno e arquetípico. O mundo espiritual, apesar de ser descrito como o céu espiritual, é inconcebível e indescritível, pois sua dimensão é supra material. Essa realidade transcendente é eternamente imanifesta (avyakta). Ou seja, não é um produto das interação dos modos (guṇas) na natureza material, que traz todas as limitações manifestas no tempo e espaço.
Quanto à criação material, em processo de evolução, do imanifesto (asat) surgiu o manifesto (sat): devānām pūrvye yuge ‘sataḥ sad ajāyata, “No início da criação, o manifesto [sat] surgiu do imanifesto [asat]” (Ṛg-Veda, 10.72.2).
O Manu Smṛti também descreve este estado imanifesto do Universo da seguinte forma:
āsīd idaṁ tamo bhūtam
alakṣaṇam apratarkhyam
avijñeyaṁ prasuptam
iva sarvataḥ
“Esse (mundo) existia na forma de Escuridão, imperceptível, destituído de sinais de identificação, inacessível pela razão, incognoscível, completamente imerso, como se estivesse, em sono profundo” (Manu-Smṛti, 1.1.5).
O Śatapatha Brāhmaṇa, também afirma que, na era primordial, a realidade existia de uma forma imanifesta (avyakta):
taddhedaṃ tarhy avyākṛtam āsīt
“Então, naquele momento, havia o imanifesto [avyakta]” (Śatapatha Brāhmaṇa, 14.4.2.15).
Às vezes encontramos a palavra asat traduzida como “o não-ser” e a palavra sat como “o ser”, mas, nesse contexto, essa tradução não se aplica, pois como poderia algo que “é” surgir de algo que “não é”. Este suposto “não ser” nirvânico não poderia ser um vazio estéril, mas sim um esvaziamento prenhe de potencialidade que possibilita a manifestação das ideias espirituais e a criação da realidade material. Por isso, escolhemos traduzir asat como “imanifesto”. Asat, então, seria a dimensão arquetípica espiritual imanifesta (avyakta) que reflete a sua sombra na manifestação material.
Portanto, tudo já existia, em forma potencial, na atmosfera espiritual suprema que é descrita como o céu espiritual:
asac ca sac ca parame vyoman
“Ele, imanifesto (asat) e manifesto (sat), existe no céu supremo” (Ṛg-Veda, 10.6.7).
Na ontologia vaiṣṇava, considera-se que o mundo material é um reflexo invertido do mundo espiritual. A Kaṭha Upaniṣad (2.3.1) e a Bhagavad-gītā (15.1) indicam isso, quando ilustram a existência de uma árvore, uma figueira-de-bengala, que pode ser vista refletida em espelho de água, de uma forma invertida:
ūrdhva-mūlam adhaḥ-śākham
aśvatthaṁ prāhur avyayam
“As raízes para cima, os ramos para baixo, se diz, é a árvore aśvattha imperecível” (Bhagavad-gītā , 15.1).
Segundo essa colocação, a tradição vaiṣṇava conclui que todos os sentimentos, todas as emoções encontradas no plano material, onde se definem as relações mutuas entre seres relativos, são reflexos das relações existentes desses mesmos seres relativos com a Divindade ou Ser absoluto, no plano espiritual.
Esse plano espiritual, que é a morada de Bhagavan Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade Suprema da Divindade, é descrito alegoricamente no Brahmā Saṁhitā:
sahasra patra kamalaṁ
gokulākhyaṁ mahat padam
tat karṇikāraṁ tad dhāma
tad anantāṁśa sambhavam
“O mundo (dhāma) dEle [Kṛṣṇa] que recebe o nome de Gokula é a morada suprema. Ele é o centro (verticilo) de um lótus com mil pétalas e é mantido por uma porção (aṁśa) da energia espiritual [de Baladeva] chamada Ananta” (Brahmā Saṁhitā, 5.2).
karṇikāraṁ mahad-yantraṁ
ṣaṭ koṇaṁ vraja kīlakam
ṣaḍ aṅga ṣaṭ padī sthānaṁ
prakṛtyā puruṣeṇa ca
“O verticilo desse lótus é um grande yantra (figura) hexagonal com uma base adamantina. As seis partes do mantra situam-se nas seis pétalas do yantra. Nesse yantra estão situados os aspectos predominado (a prakṛti situada no yantra) e predominante (o puruṣa situado no mantra) da Divindade” (Brahmā Saṁhitā, 5.3).
premānanda mahānanda
rasenāvasthitaṁ hi yat
jyotī rūpeṇa manunā
kāma bījena saṅgatam
“Esse yantra produz uma variedade de rasas (experiências estéticas) de grande bem-aventurança que surgem do Amor Divino (prema). No yantra também situa-se o kāma-bīja, que é um mantra de natureza transcendental” (Brahmā Saṁhitā, 5.4).
A natureza espiritual é inconcebível, pois, sendo não criada (aja), eterna (nitya) e imutável (avyaya), situa-se além das dimensões de tempo e espaço material, não sendo, portanto, objeto de estudos cosmogônicos.
Preâmbulos da criação
Para os videntes védicos, a origem e evolução do mundo material estão necessariamente associadas ao ato criativo da Deidade Suprema, o Senhor Nārāyaṇa ou Paramātman, que investe sua potência criativa em seu filho unigênito, o demiurgo Brahmā, que subsequentemente, utilizando o substrato cósmico primordial, o fixa e expande até sua magnitude presente.
Dessa forma, compreende-se que o mundo material foi criado por uma Inteligência consciente original, que é a fonte de todas as energias, e não por leis naturais cegas ou por um conjunto de probabilidades baseadas na causalidade ou acaso.
A matéria que constitui o universo material vem da vida, é conservada e não existe somente no tempo-espaço conhecido, mais também num continuum coexistente conhecido por subtileza. A matéria grosseira pode ser percebida pelos sentidos grosseiros, enquanto que o mesmo não ocorre com a matéria sutil.
Tomando o paradigma védico, aceitamos o mesmo como a abordagem científica para se compreender tanto as entidades cosmológicas como as individuais. Neste contexto, o sistema de metafísica Saṁkhya explica elaboradamente os preliminares da criação.
Os cosmogonistas védicos exploram também o comportamento do Cosmo em sua evolução. Eles postulam que o presente estágio do Universo e de seus corpos, tais como o Sol, a Terra, a Lua e outros planetas, surgiu de um processo evolucionário contínuo. Em outras palavras, eles acreditam que o Universo teve um “início”, está se expandindo e chegará a um fim, quando romper os limite de sua expansão. Então, podemos dizer que este postulado e a primeira versão do conceito do “Universo em expansão”.