O QUE É UM ÁRIA?

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Lokasaksi Dasa

Devido ao uso histórico racista da palavra “ária” ou “ariano”, especialmente em relação com o conceito da “raça ariana” desenvolvido pelos nazistas, essa palavra, no Ocidente, ficou mal vista, assim como o símbolo relacionado a essa palavra, a suástica.

O dicionário sânscrito Amarakosha define arya como mahākula kulīnārya – “pertencente a uma família nobre”, sabhya – “tendo modos gentis e refinados”, sajjana – “bem-nascido e respeitável”, e sādhava “que é virtuoso, honrado e recto”.

Os brahmanas, ksatriyas e vaisyas iniciados na tradição védica, eram chamados de aryas, um título de honra e respeito devido a certas pessoas pelo seu nobre comportamento.

A palavra arya é utilizada igualmente pelos hindus, budistas, jainistas e zoroastristas no sentido de nobre ou espiritual. Temos, por exemplo, no budismo, as Quatro Nobres Verdades (Pali: cattāri ariya-saccāni; Sânscrito: catvāri ārya-satyāni) e os Nobres Caminhos Óctuplos (Pali: ariyo atthaṅgiko maggo; Sânscrito: ārya ‘ṣṭāṅga mārgaḥ).

Outro mal entendido em relação à essa palavra foi aquele perpetuado pelos primeiros sanscritistas europeus tradutores dos Vedas, como Max Muller e outros, que, em suas traduções e interpretações raciais dos termos sânscritos, deram motivos para se considerar erroneamente que os árias, quando de sua suposta e questionável invasão à Índia, eram brancos, e que seus inimigos, os dasyus, eram negros.

O seguinte verso do Ṛg Veda, equivocadamente utilizados por eles, nada mais faz do que contrastar os árias, como “nobres” membros dos três varnas, brāhmaṇa, kṣatriya e vaiśya, com os membros da classe subalterna dos servos (dāsas ou śudras) ou com as pessoas situadas fora da ordem social (out caste):

vi jānīhy āryān ye ca dasyavaḥ,

barhiṣmate randhayā śāsad avratān

“Discerni bem, os Aryas e os Dasyus,

restringindo quem não executa ritos religiosos…” (Ṛg Veda, 1.51.8.).

Destarte, esse verso não indica qualquer tipo de conflito ou superioridade étnica ou racial, mas, está se referindo aos que seguem e aos que não seguem os princípios éticos e ritualísticos védicos.

Portanto, o sentido da palavra ária (āryāḥ), em sânscrito, vai bem além de uma consideração meramente racial ou sociológica, indicando pessoas nobres por qualificação espiritual. Isso é explicado no Śrīmad-Bhāgavatam:

sthira-cara-sattva-kadambeṣv, apṛthag-dhiyo yam upāsate tv āryāḥ

“Aqueles que são equânimes para com todas as entidades vivas, móveis e inertes, e não discriminam em termos de superior e inferior, são chamados de ários [āryāḥ]. Tais ários adoram-Te, a Suprema Personalidade da Divindade” (Śrīmad-Bhāgavatam, 6.16.43).

Isso também é confirmado no julgamento que Kṛṣṇa faz de Arjuna, no momento de confusão deste:

kutas tvā kaśmalam idam, viṣame samupasthitam

anārya-juṣṭam asvargyam, akīrti-karam arjuna

“De onde te vem, esta fraqueza, nessa hora de crise? Indigno de um ária, ela não conduz ao paraíso, mas à infâmia, ó Arjuna” (Bhagavad-gītā, 2.2).

Dessa forma, pelo uso correto do sentido desse termo, a tradição religiosa e espiritual dos Vedas, o vaidika-dharma ou sanatana-dharma, recebe a denominação de arya-dharma “religião nobre”, e o budismo prioriza catvāri ārya-satyāni “as quatro nobres verdades”.