Nos últimos tempos, a imprensa dirigida a leitores interessados em qualidade de vida tem publicado muitos artigos, matérias e reportagens sobre Yoga, Ayurveda, Vastushastra. De uma forma ou de outra, estes assuntos remetem à milenar cultura védica, que floresceu no norte da Índia há mais de cinco mil anos, apoiada nos Vedas.
Entretanto, pouco ou quase nada se comenta sobre os Vedas e seu propósito. Quando muito, diz-se que os Vedas abordam uma filosofia complexa que fundamenta o Hinduísmo. As enciclopédias e os dicionários apresentam verbetes muito vagos, confusos e incompletos sobre o termo veda, como este abaixo encontrado num famoso dicionário brasileiro da Língua Portuguesa:
“veda: [Do sânscr. veda, ‘conhecimento’.]. Substantivo masculino. 1.Conjunto de textos sagrados — hinos laudatórios, formas sacrificais, encantações, receitas mágicas — que constituem o fundamento da tradição religiosa (do bramanismo e do hinduísmo) e filosófica da Índia.”
Em livros são poucos os autores que abordam o assunto com segurança. Há muitas abordagens em edições caras, que pela apresentação, parecem confiáveis, mas, na verdade, não passam de especulações. É preciso muito cuidado, pois nem toda abordagem sobre os Vedas é fidedigna.
As publicações mais confiáveis são elaboradas por escolas tradicionais de filosofia védica, conhecidas como sampradayas, com orientação transmitida de mestre a discípulo. Portanto, é sempre bom indagar a origem da publicação que se tem a mão sobre os Vedas. Se não houver uma sucessão discipular filosófica por trás da publicação, e se o autor não fizer referência à sucessão discipular da qual faz parte e ao mestre que o autorizou, mesmo que a editora seja renomada, a publicação não é considerada genuína.
Mas, por que tanto cuidado? – alguém pode perguntar. E a resposta é porque os Vedas apresentam um conceito filosófico sobre Verdade Absoluta, cuja compreensão é mediada pela explicação de um mestre brahmana genuíno, ou seja iniciado numa sampradaya.
Originalmente, antes de ser registrado na escrita, este conhecimento era transmitido oralmente de mestre a discípulo, em escolas tradicionais de filosofia védica. E, assim, tradicionalmente, essa transmissão se mantém nos dias atuais, mesmo depois do advento da escrita.
Este cuidado também faz parte de injunções contidas nos próprios Vedas. Elas prescrevem que os estudos e explicações das escrituras devem proceder em sucessões discipulares, sob orientação de um mestre brahmana, para evitar especulações.
Segundo Satsvarupa Dasa Goswami, filósofo, pesquisador da cultura védica e mestre brahmana genuíno, em seu livro Introdução à filosofia védica — publicado pela divisão editorial brasileira da Bhaktivedanta Book Trust (BBT), editora especializada em publicações védicas —, “as escrituras védicas delineiam sua própria origem”.
Satsvarupa Dasa Goswami afirma que as escrituras védicas descrevem a si mesmas como apauruseya. O que significa que elas não vêm de alguma pessoa materialmente condicionada, mas procedem do Supremo, uma fonte transcendental à dualidade mundana.
Satsvarupa Dasa Goswami relata que o conhecimento védico é eterno e foi transmitido ao semideus Brahma no alvorecer da criação do Universo. Em seguida, Brahma instruiu o sábio Narada, cujas percepções aparecem ao longo da literatura védica.
E, em prosseguimento à sucessão discipular advinda do semideus Brahma, o sábio Narada instruiu o sábio Vyasadeva. Que, por sua vez, há cinco mil anos, compilou este conhecimento em quatro livros: Rig Veda, Atharva Veda, Sama Veda e Yajur Veda.
Depois, Vyasadeva escreveu todas as escrituras que explicam os Vedas: Vedantasutra; Mahabharata – no qual está contido o Bhagavad-gita, a essência dos Vedas; Upanishads; e dezoito puranas – comentários romanceados sobre os Vedas, entre os quais o Srimad Bhagavatam, considerado o mais importante dos puranas porque narra histórias da Suprema Personalidade de Deus, Krishna, na Terra.
De acordo com Satsvarupa Dasa Goswami, literatura védica tem como finalidade principal transmitir o conhecimento sobre auto-realização e, portanto sobre como libertar-se do sofrimento. Ou seja, a meta do pensamento védico é conduzir à verdade, cujo reconhecimento leva à liberdade. Com efeito, o pensamento védico conduz não somente a informação, mas a transformação.
O Bhagavad-gita, por exemplo, descreve o conhecimento de como aceitar a importância da auto-realização, e buscar filosoficamente a Verdade Absoluta. Outra percepção importante a que almeja o conhecimento védico é a compreensão dos malefícios do nascimento, da morte, da velhice e da doença.
Enfim, nas palavras de Satsvarupa, a literatura védica declara que, a despeito da aparente alegria, vida material significa sofrimento, e o conhecimento védico visa a libertar deste sofrimento o indagador sincero.
Leitura recomendada:
GOSWAMI, Satsvarupa Dasa, Introdução à filosofia védica – a tradição fala por si mesma. São Paulo (SP): Bhaktivedanta Book Trust (BBT). 1986;
PRABHUPADA, A.C. Bhaktivedanta Swami, O Bhagavad-gita como ele é. Brasília (DF): Bhaktivedanta Book Trust (BBT). 2005;
PRABHUPADA, A.C. Bhaktivedanta Swami, Srimad Bhagavatam. Pindamonhangaba (SP): Bhaktivedanta Book Trust (BBT). 1994.