Namastê

Comportamento Filosofia

Por Lokasaksi Dasa

Namastê é um cumprimento, saudação ou reverência utilizado principalmente na Índia e no Nepal, bem como pelos seguidores das tradições védicas (vaishnavas, śaivas, śāktas e smartas), do Sikhismo, do Jainismo e do Budismo, em todo o mundo. Explica-se o sentido da palavra namaḥ ou namas nos Purāṇas:

ahaṁ kṛtir ma-kāraḥ syān na-kāras tan-niṣedhakaḥ

tasmāt tu namasā kṣetri-svātantryaṁ pratiṣidhyate

“A sílaba “ma” indica o ego, que é negado pela sílaba “na”. Dessa forma, por prestar reverências, a pessoa nega a sua independência como proprietário de seu corpo material” (Padma Purāṇa, Uttara, 226.41).

Alguns espiritualistas e praticantes de yoga traduzem-no com a seguinte interpretação: “Deus que habita em mim saúda Deus que habita em você”. Apesar de haver alguma profundidade filosófica e liberdade poética nessa interpretação, a tradução literal seria simplesmente: “meus respeitos ou reverências (namas) a ti (te)”.

O único problema da tradução filosófico-poética é ser deveras impessoal. Pois se é Deus que saúda ou reverência alguém (ou melhor, a Si mesmo), onde entra o nosso arbítrio? Onde entra a nossa vontade, a nossa participação ou devoção, nesse ato de reverência? Isso, inclusive, pode não dar lugar para a humildade.

Do ponto de vista ontológico (do ser) não há diferença entre Deus e suas energias (que inclui os si-mesmos individuais), pois afinal de conta todos os seres existem no e como parte do Ser Absoluto como o Brahman. Isso é explicado na Chāndogya Upaniṣad 6.2.1 ekam evādvitīyaṁ brahma, “Brahman é o Um sem um segundo”.

Mas do ponto de vista de “bhāva” ou “rasa”, ou seja, do ponto de vista psicológico e estético da consciência somos individuais. Além de sermos iguais a Deus na essência existêncial (sat), TAMBÉM somos diferentes da Divindade, do pondo de vista da consciência (cit) e da estética espiritual (rasa ou ānanda), sendo almas individuais eternas (jīvātmās). Essa alteridade ontológica permite a experiência a reciprocidade amorosa, pois esse Brahman não é apenas a fonte do “ser” mas também da “bem-aventurança (ānanda)”. Isso também está estabelecido na Taittirīya Upaniṣad, 2.6.1:

raso vai saḥ, rasaṁ hyevāyaṁ labdhvā ānandī bhavati

“Ele certamente é doçura! Com essa doçura, temos bem-aventurança. Quem, de fato, poderia respirar, sem bem-aventurança no espaço do ser? Ele, unicamente Ele, causa bem-aventurança”.

Somos indivíduos que, voluntariamente, levados pela reverência ou pelo amor, nos relacionamos com a Divindade em seu aspecto pessoal onipresente (o Paramātmā, ou Super Alma, situado em todos os seres) e Supremo (Bhāgavan), e também, secundariamente, nos relacionamos com todos os outros seres ou almas individuais (jīva ātmās).

Portanto, quando digo “namaste”, digo que sou eu, o ser individual eterno (jīvātmā) – distinto do falso-ego (ahaṁkāra ou asmita – reflexo do ser que se manifesta egoisticamente na matéria densa e sutil) – e não Deus, que está prestando reverências ou respeito a alguém. Sou eu que estou me humildando e não Deus. Reduzir Deus à minha própria pessoa (mesmo que sofisticamente eu o denomine como meu Eu Superior) é eliminar a possibilidade dEle ser a Pessoa Suprema, limitando portanto o que não é limitado.

Este cumprimento revela verdadeira humildade, pois além de nos levar a prestar reverência aos outros seres, pois reconhece a presença do Senhor Supremo em todas as coisas, no coração de todos os seres, como a Superalma (Paramātma). Isso sim é prestar respeito a todos porque Deus (a Superalma) está situado em todos os seres.

Mantendo a tradução poética, podemos sim, dizer.

Namaste – “Eu, que tenho Deus em mim, reverencio a ti, que também tem Deus em si.”

Créditos de imagem: Acervo do Autor

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